quinta-feira, setembro 14, 2006

Festival mostra que curtas andam longos e muito criativos - Por Luiz Carlos Merten

São Paulo, 03 (AE) - Zita Carvalhosa está feliz da vida. Seu Festival Internacional de Curtas, que terminou hoje - a premiação foi sábado à noite -, teve salas cheias e não apenas nas sessões noturnas. Sessões da tarde ficaram lotadas de espectadores que, muitas vezes, queriam ver programas específicos. Houve um forte boca-a-boca do filme argentino Paredes Vizinhas, de Gustavo Taretto, uma obra um tanto difícil porque, com quase 30 minutos, não era um curta curto. Aliás, o quadro geral da produção geral deste ano confirma que os curtas estão cada vez mais longos. Foram raros os curtas de dez minutos, ou menos. A média anda nos 16, 18, 20 minutos.

Houve tantas premiações no sábado à noite que a listagem completa torna-se inviável, podendo ser conferida no site oficial www.kinoforum.org.br/curtas/2006.

Embora os curtas estrangeiros sejam ainda mais raros nos cinemas brasileiros, a corrida é pelos nacionais, que mobilizam até torcida. Pode-se traçar um panorama da atual produção do formato só a partir dos dez títulos selecionados pelo público. Por ordem alfabética - A Estória da Figueira, de Júlia Zakia; Balada das Duas Mocinhas de Botafogo, de Fernando Valle e João Caetano Feyer; Barbie Problemas da Vida, de Yan Whately; Manual para Atropelar Cachorro, de Rafael Primo; Memórias Sentimentais de Um Editor de Passos, de Daniel Turini; No Princípio Era o Verbo, de Virginia Jorge; O Som da Luz do Trovão, de Tiago Scorza e Petrônio Lorena; Super-Herói Fora de Série, de Alê Machado; Tyger, de Gulherme Marcondes; Viva Volta, de Heloísa Passos.

É, no mínimo, curioso que o belo Alguma Coisa Assim, de Esmir Filho, premiado em Cannes e Gramado, não tenha seduzido o público paulistano a ponto de ficar entre os dez mais. Esmir Filho é o nome do momento. Seu outro curta, o vídeo Tapa na Pantera, feito em parceria com Rafael Gomes e Mariana Bastos, virou coqueluche no País, tendo tido mais de um milhão de acessos na internet (www.youtube.com/watch'v=CfFC77ZYX6c). É muito legal. Mostra a atriz Maria Alive Vergueiro numa hilariante composição como maconheira que fala de sua relação com a droga.

Mesmo sem Alguma Coisa Assim, as escolhas do público no 17º Festival Internacional de Curtas foram atraentes. Balada das Duas Meninas de Botafogo baseia-se no poema de Vinicius de Moraes e, além das qualidades próprias, é ótimo porque permite falar sobre o longa Marília e Marina, que Luiz Fernando Goulart realizou em 1976, sobre o mesmo assunto (e é um dos grandes filmes pouco valorizados do cinema brasileiro).

O olhar crítico sobre a repressão e as neuroses da classe média aproximam a Balada das Mocinhas de Manual para Atropelar Cachorro, se bem que a multiplicidade de linguagens deste filme o torne, esteticamente, mais próximo de Super-Herói Fora de Série. Memórias Sentimentais de Um Editor de Passos, com sua discussão sobre a sincronia entre imagem e som, tem tudo a ver com o longa Cafuné, em cartaz nos cinemas. Barbie tem uma ótima idéia - a menina que desenha a famosa boneca, colocando-a em situações que, digamos, subvertem o que representa -, embora lhe falte acabamento. A Estória da Figueira é muito bem acabado como filme de escola. No Princípio Era o Verbo transforma uma conversa de bêbados e outra de cegos, num bar, em algo rico e complexo. Maria Bethânia é uma rainha em Viva Volta, sobre o trombonista Raul de Souza. E Tyger, que já foi premiado no AnimaMundi, é uma animação maravilhosa, como técnica e tema. O curta brasileiro vai muito bem, obrigado.